quarta-feira, 11 de novembro de 2009

CHUTAR O BALDE, ÀS VEZES FAZ BEM...




CONSERTANDO OS ESTRAGOS

Não há nada que me deixe mais frustradodo
que pedir sorvete de sobremesa,
contar os minutos até ele chegar
e aí ver o garçom colocar na minha frente
uma bolinha minúscula
do meu sorvete preferido.
Uma só.
Quanto mais sofisticado o restaurante,
menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá
é de passar numa loja de conveniência,
comprar um litro de sorvete bem cremoso
e saborear em casa com direito a repetir quantas
vezes a gente quiser,
sem pensar em calorias,
boas maneiras ou moderação.
O sorvete é só um exemplo
do que tem sido nosso cotidiano.
A vida anda cheia de meias porções,
de prazeres meia-boca,
de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar,
mas come pouco.
Vai à festa de casamento,
mas resiste aos bombons.
Conquista muita coisa na vida,
mas tem que fingir que é certinho
(a imensa maioria das pessoas
continua com pavor de ser rotulado).
Adora tomar um banho demorado,
mas se contém pra não
desperdiçar os recursos do planeta.
Quer beijar aquela menina 4 anos mais nova,
mas tem medo de fazer papel ridículo.
Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD,
esparramado no sofá,
mas se obriga a ir malhar.
E por aí vai.
Tantos deveres,
tanta preocupação em 'acertar',
tanto empenho em passar na vida
sem pegar recuperação...
Aí a vida vai ficando sem tempero,
politicamente correta
e existencialmente sem-graça,
enquanto a gente vai ficando
melancolicamentesem tesão...
Às vezes dá vontade de fazer tudo 'errado'.
Deixar de lado a régua,
o compasso,
a bússola,
a balança
e os 10 mandamentos.
Ser ridículo,
inadequado,
incoerente
e não estar nem aí pro que dizem
e o que pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres incompletos e meias porções.
Até Santo Agostinho, que foi santo,
uma vez se rebelou
e disse uma frase mais ou menos assim:
'Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora'
...Nós, que não aspiramos à santidade
e estamos aqui de passagem,
podemos (devemos?) desejar
várias bolas de sorvete,
bombons de muitos sabores,
vários beijos bem dados,
a água batendo sem pressa no corpo,
o coração saciado.
Um dia a gente cria juízo.
Um dia.
Não tem que ser agora.
Por isso, garçom, por favor,
me traga: cinco bolas de sorvete de chocolate,
um sofá pra eu ver 10 episódios do 'Law and Order',
uma caixa de trufas bem macias
e a Angelina Jolie,
nua,embrulhada pra presente.
OK?
Não necessariamente nessa ordem.
Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago . .. .

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