segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O OLHAR


Para que ocorra a visão é necessário que haja luz emitida ou refletida pelos objetos do ambiente. As imagens destes objetos são projetadas nas retinas pelas lentes dos olhos e transmitem a mensagem ao cérebro (ARNHEIM, 2002, p.35).

No mundo antigo os gregos e os romanos helenizados pensaram em duas dimensões primordiais do olhar: o olhar receptivo e o olhar ativo. Ambos têm como suporte físico: o olho, a luz e os corpos exteriores ao corpo humano.

O olho, fronteira móvel e aberta entre o mundo externo e o sujeito, tanto recebe estímulos luminosos (logo, pode ver, ainda que involuntariamente) quanto se move à procura de alguma coisa, que o sujeito irá distinguir, conhecer ou reconhecer, recortar do contínuo das imagens, medir, definir, caracterizar, interpretar, em suma, pensar (BOSI, 1988, p.66).

No olhar receptivo não há um ato intencional do olhar; trata-se de um ver por ver. Os olhos recebem passivamente uma grande quantidade de figuras, formas, cores, contanto que estejam abertos e haja luz.

Já no olhar ativo o ver é resultado obtido a partir de uma busca. Ver por ver é diferente de ver depois de olhar.

[...] o mundo das imagens não se satisfaz em imprimir-se simplesmente sobre um órgão fielmente sensível. Ao contrário, ao olhar para um objeto nós procuramos alcançá-lo. Com um dedo invisível movemo-nos através do espaço que nos circunda, transportamo-nos para lugares distantes onde as coisas se encontram, tocamos, agarramos, esquadrinhamos suas superfícies, traçamos seus contornos, exploramos suas texturas. O ato de perceber formas é uma ocupação eminentemente ativa (ARNHEIM, 2002, p.35).

O olhar é o movimento interno do ser que se põe em busca de informações e significações. Trata-se de um ato intencional que para Husserl é a essência dos atos humanos (BOSI, 1988, p.65). Os olhos procuram a beleza e a variedade das formas, o brilho e a amenidade das cores. A visão que nasce nos olhos não deixa de ser passiva se considerar que depende do mundo externo. Ao mesmo tempo que o olhar é sair de si, também é trazer o mundo para dentro de si (CHAUÍ, 1988, p.33). Talvez seja por esse motivo, que tanto poder é atribuído ao olhar. No cotidiano são usadas expressões como: mau olhado, cada qual tem direito ao seu ponto de vista, sombra de dúvida, mas é claro!, etc... . Existe a idéia de que se pode ver não só o visível, mas também o passado e o futuro; por isso se diz para não olhar para trás.

Na abertura da Metafísica, Aristóteles (apud CHAUÍ, 1988, p.38) alega que a prova de que todos os homens naturalmente desejam conhecer, é o prazer causado pelas sensações. Entre estas, a que estaria acima de todas, seria as sensações visuais que, de todos os nossos sentidos, nos faria adquirir mais conhecimentos e descobrir mais diferenças. A aptidão do olhar para o discernimento o “coloca como o primeiro sentido de que nos valemos para o conhecimento e como o mais poderoso porque alcança as coisas celestes e terrestres, distingue movimentos, ações e figuras das coisas, e o faz com maior rapidez do que qualquer dos outros sentidos” (CHAUÍ, 1988, p.38). Santo Agostinho, no entanto, condenava justamente este prazer causado pelas sensações, principalmente a visual. Segundo ele, este desejo curioso de conhecer tudo, é chamado, nas Divinas Escrituras, de “concupiscência dos olhos”, por serem estes os sentidos mais aptos para o conhecimento.

É aos olhos que propriamente pertence o ver. Empregamos, contudo, esse termo mesmo em relação aos outros sentidos, quando os usamos para obter qualquer conhecimento. Assim, não dizemos, "ouve como brilha", "cheira como resplandece", "saboreia como reluz", "apalpa como cintila". Mas já podemos dizer que todas essas coisas se vêem. Por isso não só dizemos "vê como isto brilha" - pois só os olhos o podem sentir-, mas também "vê como ressoa, vê como cheira, vê como sabe bem, vê como é duro". É por isso que se chama concupiscência dos olhos à total experiência que nos vem pelos sentidos. Apesar de o ofício da vista pertencer primariamente aos olhos, contudo os restantes sentidos usurpam-no por analogia, quando procuram um conhecimento qualquer [...] (SANTO AGOSTINHO apud CHAUÍ, 1988, p.38 e 39).

Elementos que pertencem a outros sentidos são apreendidos pelo olhar, assim como coisas que pertencem ao campo do olhar são apreendidos em outros sentidos. Segundo Merleau-Ponty os sentidos se traduzem uns nos outros sem precisar intérprete. Pode-se dizer que um som é áspero ou que uma música é doce. Apesar dos sentidos serem meios de que o corpo dispõe para apreender a diversidade do real, não existe uma fronteira rígida entre eles. Os sentidos se integram numa totalidade.

Percepção vem de perciptó, que se origina em capio que significa agarrar, prender, tomar com as mãos, receber. Desta forma, os sentidos precisam ser tocados mesmo que pela luz, pelo som, pelo odor ou pelo sabor para serem apreendidos. No entanto apesar da importância do tato, o olhar sempre foi visto como o sentido mais apto para o conhecimento, pois nos ensina a inexistência da matéria como substância em si, ou seja, a existência da espiritualidade (CHAUÍ, 1988, p.40). A teoria do olhar, desta forma, pode coincidir com a do conhecimento, mesmo o ser humano dispondo de outros sentidos além da visão. A luz, condição fundamental para o olhar, está também ligada à idéia de conhecimento e imaterialidade.

Se o olhar usurpa os demais sentidos fazendo-se cânone de todas as percepções é por que, como dizia Merleau-Ponty, ver é ter à distância. O olhar apalpa as coisas, repousa sobre elas, viaja no meio delas, mas delas não se apropria. Resume e ultrapassa os outros sentidos porque os realiza naquilo que lhes é vedado pela finitude do corpo, a saída de si, sem precisar de mediação alguma, e a volta a si, sem sofrer qualquer alteração material (Ibid., p.40).

Existem duas concepções sobre a sensação e a percepção que fazem parte da tradição filosófica: a empirista e a intelectualista. Para os empiristas, a sensação e a percepção são causadas por estímulos externos que toca os órgãos dos sentidos e faz um percurso no interior do corpo, indo ao cérebro e voltando às extremidades sensoriais na forma de uma sensação ou de uma percepção que é a associação de sensações. Para eles a sensação e a percepção são efeitos passivos de uma atividade dos corpos exteriores sobre o corpo; é com a soma e associação das sensações que o conhecimento é obtido.

Já para os intelectualistas, a sensação e a percepção dependem do sujeito, do conhecimento. O sujeito é que é ativo e a coisa externa é passiva. A passagem da sensação para a percepção dependeria do intelecto do sujeito, que organizaria o sentido dando-lhe significação.

Segundo o discurso de Epicuro e de Lucrécio o mundo se dá ao olho humano “porque a natureza desenvolve um movimento constante, veloz, febril, desprendendo da superfície dos seres os simulacros (eidola, em grego), figuras que duplicam sutilmente a forma superficial das coisas” (BOSI, 1988, p.67). Estes simulacros, espécies de membranas leves que passeiam pelos ares, destacadas da superfície dos corpos, seriam trazidos pelos raios da luz solar, estelar ou lunar ao encontro dos nossos olhos. As imagens da natureza e dos nossos semelhantes seriam formadas por partículas impalpáveis que entrariam pelas pupilas e as feririam, produzindo o fenômeno da visão tanto na vigília como no sonho. “Conhecer é ser invadido e habitado pelas imagens errantes de um cosmos luminoso” (Ibid., p.67).

Para Demócrito, os olhos, feitos de átomos d'água, são espelhos onde vêm refletir-se átomos de fogo (fonte dá luz) que se desprendem das coisas luminosas ou iluminadas, espalhando-se pelo ar e alcançando os olhos, onde se espelham. Para Epicuro e Lucrécio, os olhos são jaulas que capturam e aprisionam os pequeninos simulacros voejantes - os eidola - enviados pelas coisas e delas conservando a aparência. Povoando todo o espaço imaterial, ou o vácuo, deslocando-se em todas as direções, pequeninas imagens entrecruzam-se, irradiam-se continuamente das coisas que as soltam como películas que delas mantêm a forma e a figura por breve tempo. Fantasmas transparentes, alcançam os olhos e são por eles capturados na visão [...] (CHAUÍ, 1988, p.41).

Em contrapartida a esta idéia do olhar como algo passivo que recebe os estímulos do ambiente, estão os pitagóricos, platônicos e neoplatônicos, que percebiam o olhar como emissor e não receptor de simulacros. Na teoria emissiva “Os olhos, parentes do fogo e da luz, seriam faróis emissores de raios luminosos que, deslocando-se no espaço, chocam-se com as coisas materiais e esse encontro é responsável pela visão. Os olhos viajam pelo sensível, tocando as coisas com sua luminosidade para fazê-las visíveis ou para reconhecê-las como parentes suas, porque também são luminosas como eles” (Ibid., p.41).

Platão afirma no Timeo que os olhos são os portadores de luz em que o fogo ameno que aquece o corpo humano é emanado num fluxo de luz suave, estabelecendo uma ponte tangível entre o observador e a coisa observada. Desta forma os impulsos de luz que emanam do objeto transportam-se para os olhos e depois para a alma. Este fogo tem a propriedade de não queimar e sim de brilhar com doce luz (PLATÃO apud CHAUÍ, 1988 p.41).

Platão, no entanto, não se deixava seduzir pelo olhar. Estava determinado em distinguir o inteligível e o sensível, a idéia e a imagem. A coisa perde o seu poder de constituição e transforma-se em idéia da coisa. Porém a idéia, mais do que designar apenas o aspecto não sensível do que é sensivelmente visível, é a essência daquilo que se pode escutar, ver, tocar ou sentir, tornando-se algo que não pode ser alterado. Segundo ele, aquele que se deixa seduzir apenas pelos sentidos, deve assumir os riscos da incerteza. Os sentidos perturbariam a alma, pois o homem que contempla, seria absorvido pelo que contempla (NOVAES, 1988, p.10).
Quando Platão propõe, no mito da caverna, que o homem se afaste do mundo sensível estava dirigindo o olhar para a idéia. Ao livrar-se das flutuações do mundo sensível procurando algo mais sólido e durável na sua essência, buscava educar um olhar que transcendesse o olho físico para ter acesso a um mundo que desconhece a lei da morte, fixando o olho da mente nas formas puras. Este método conduziria ao resgate da alma ameaçada pela desagregação do corpo. “Quem lembra, enquanto lembra, está triunfando sobre a morte. A reminiscência é o sol dos mortos” (BOSI, 1988. p.70).

Somente no século XX surgiu na Filosofia uma nova concepção do conhecimento sensível que alterou as tradições empíricas e intelectualistas. Com a fenomenologia de Husserl e a Psicologia da Forma ou teoria da Gestalt, mostrou-se que as sensações não são separadas de cada qualidade, que depois o espírito juntaria e organizaria como percepção de um único objeto. Não é possível isolar uma sensação completamente da outra. Quando um objeto é visto, é percebido na sua totalidade e não como um mosaico de estímulos exteriores ou uma idéia.

A partir desta idéia a sombra torna-se tão importante quanto a luz, uma vez que não se têm sensações parciais, mas percepções globais de uma forma ou estrutura. Isto ficou evidente após experiências com figura e fundo e com formas “incompletas”.
Para a percepção, as condições de nosso corpo são tão importantes quanto a situação e as condições dos objetos percebidos. A vivência individual e social influi no modo como as coisas são percebidas, uma vez que o sujeito interage com o mundo dando às coisas percebidas novos sentidos e novos valores. Ferreira Gullar enfatiza que a percepção do homem é histórica. “Através da história o homem aprendeu a ver, criou modos de ver, desapareceu e criou outros modos” (1988., p.218). Esse olhar histórico a que Gullar se refere está ligado à história do homem como humanidade e também indivíduo.

Percepção é, assim, uma relação do sujeito com o mundo exterior que dá sentido ao percebido e àquele que percebe; um não existe sem o outro.



terça-feira, 21 de dezembro de 2010

OUVIR...ESCUTAR...APRENDER!

LER A COISA CERTA...
VER O QUE NINGUÉM PRESTOU ATENÇÃO.

Uma jovem certa vez perguntou ao educador Paulo Freire como ele havia conseguido entender gente de tantos países e ser admirado por povos, línguas e culturas tão diferentes.

Ele revelou um segredo.
Quando menino, nas ruas e pontes da sua cidade do Recife, vivia conversando com velhos, mendigos, vendedores ambulantes.
Tinha recebido deles um coração aberto a todos os viventes.

OS LIVROS MUDAM AS PESSOAS

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

MEDITAÇÃO

ÀS VEZES FICO OBSERVANDO A NATUREZA E PENSANDO SOBRE TUDO...